Comunicar a Cidade Livre

A construção de espaços autônomos para livre comunicação da cidade é desafio cujos resultados estarão sempre condicionados às próprias experiências cotidianas do ambiente urbano, nas suas mais variadas dinâmicas. Uma das perspectivas mais vivas e abertas da dinâmica comunicativa urbana contemporânea é a que reivindica e participa da cidade como uma das mais generosas invenções do humano, como espaço de realização da liberdade e dos mais elevados anseios democráticos. Nos sentimentos do filósofo João Antônio de Paula, reivindicar a cidade significa reconhecer nela o próprio lugar da superação humana, diante das desigualdades, das injustiças sociais, da insegurança e da servidão involuntária do espírito moderno à corrupção e à perplexidade da política.

Um momento atualmente explícito de reivindicação da cidade e, conseqüentemente, de construção de uma nova comunicabilidade dos espaços urbanos, acontece hoje em Belo Horizonte na ordenação da chamada Reforma Predial Urbana, uma prática emergente de mobilização social para construção permanente da liberdade e da democracia nos espaços vazios da capital mineira.

Com um déficit habitacional calculado em torno de 55.000 moradias, Belo Horizonte apresenta um dos maiores contrastes habitacionais do Brasil, ao acumular em espaços vazios mais de 70.000 mil imóveis abandonados, em condições irregulares por não cumprirem suas funções sociais, o que deslegitima portanto suas propriedades. É diante dessa conjuntura escandalosa para os poderes públicos que as redes de mobilização por uma outra cidade se organizam. Fato ocorrido na madrugada do último dia 7 de setembro, quando 50 famílias de sem-teto ocuparam o edifício do antigo Hospital Cardiocentro, situado na Avenida Antonio Carlos, próximo à UFMG. Segundo nos informam os próprios agentes sociais mobilizados, entre os objetivos da ocupação João de Barro II está denunciar a situação das milhares de famílias em Belo Horizonte que precisam de moradia, muitas dessas famílias que amargam mais de 10 anos de espera na fila do precário programa habitacional da prefeitura.

De acordo com dados levantados pela frente de Moradia das Brigas Populares, existem atualmente 13.000 famílias na fila de espera por moradia e o programa da prefeitura tem capacidade de atender apenas 300 famílias por ano, o que significa para a última família cadastrada uma espera que pode chegar a mais de 40 anos. Se os dados oficiais da própria prefeitura apontam para um déficit habitacional de 55.000 famílias, o novo cálculo eleva este tempo de espera para mais de 180 anos.

É diante dessa situação que vários movimentos por moradia se organizam para cobrar do Estado políticas habitacionais que atendam com urgência as demandas por moradia das famílias de baixa renda. É diante deste quadro de incomunicabilidade dos espaços urbanos e das graves omissões por parte do poderes públicos, municipal, estadual e federal, que se torna necessária a intervenção ativa da Radiola Livre na mobilização da comunidade universitária, para que esta participe junto aos movimentos populares em suas reivindicações por uma cidade democrática, virtuosamente livre e humanizada.

Convocamos a todos ao exercício da liberdade, para intervir junto aos poderes públicos instituídos, denunciando francamente suas deficiências, exigindo do Estado a revisão de seus próprios meios e finalidades. Para o quê é preciso reordenar políticas públicas que recoloquem o cidadão no centro dos interesses, de forma que os espaços vazios da cidade possam ser repartilhados e os valores da habitação reconhecidos como direitos de todos.

Neimar Barroso é documentarista e programador

Programa Platéiade: Observatório do Caos

- Radiola Livre Fm 105,7

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